Reforma do CDC focará mercado de crédito, superendividamento e reforço dos Procons
A reforma do Código de Defesa do Consumidor (CDC) deverá focar principalmente o mercado de crédito ao consumo e o "superendividamento". O papel dos Procons como meios alternativos de resolução de disputas consumeristas também será reforçado. As afirmações são do ministro Herman Benjamin, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), nomeado nesta quinta-feira (2) presidente da comissão de juristas do Senado Federal que apresentará anteprojeto de lei para revisão do CDC.
O ministro participou da comissão que elaborou o CDC original, em 1989, quando atuava como promotor de justiça. Segundo o ministro, à época da edição do CDC, a inflação e o sistema bancário impediam a discussão do tema. “Seria utópico imaginar um pacto que fosse satisfatório para todas as partes com uma inflação de 50% ao mês”, explicou.
Hoje, o cenário é outro. “Passados 20 anos, o Brasil precisa atualizar seu código, porque o controle da inflação e a ampliação do mercado consumidor de crédito, aquilo que em 1990 interessava a um número pequeno de consumidores abonados, se referem, hoje, diretamente a dezenas de milhões de consumidores que foram incorporados ao mercado de crédito”, avaliou.
“Não há sociedade de consumo sem crédito e o crédito é absolutamente necessário ao desenvolvimento do país. Mas quem toma crédito precisa pagar e estar em condições de pagar”, expôs o ministro. Ele afirma que não interessa nem mesmo aos bancos a existência de consumidores incapazes de pagamento das dívidas.
Por isso, é possível um meio termo entre a liberdade de crédito e regras que estimulem o consumo consciente e responsável de crédito. “Essas são as bases do diálogo que nós pretendemos estabelecer. Nós queremos construir um grande pacto de modernização do CDC no campo do crédito ao consumo”, afirmou o ministro Benjamin.
Judicialização do consumo
“Não é possível que cada conflito de consumo seja levado aos tribunais brasileiros”, criticou o ministro. “Isso inviabiliza a pacificação das relações de consumo, o que é absolutamente fundamental para que as nossas instituições financeiras e o mercado de consumo brasileiro deem mais um salto qualitativo”, defendeu.
De acordo com Herman Benjamin, a reforma não pretende redefinir os conceitos de consumidor ou fornecedor, por exemplo. Mas deve incorporar as matérias já pacificadas pela jurisprudência brasileira. “A riqueza e longevidade do CDC se deve ao fato de ser uma lei geral. Não é uma lei para resolver as minúcias das centenas de contratos que existem no mercado. Isso fica a cargo do Judiciário e das entidades de defesa do consumidor”, explicou o ministro.
Uma das preocupações do Ministério da Justiça que a comissão pretende incorporar é o fortalecimento dos Procons, como meio de reduzir a litigiosidade judicial. No STJ, estima-se que de 20% a 30% dos recursos da Segunda Seção – responsável pelo julgamento de matérias de direito privado – tratem de relações de consumo.
“A redução da litigiosidade se faz com o fortalecimento criativo dos mecanismos autorregulatórios dos próprios setores envolvidos – como conciliação e mediação – e ampliação da capacidade dos Procons de intervir nos litígios”, argumentou.
Vanguarda
Para o ministro, o CDC ainda é vanguardista. Primeiro, por ser código. Conforme Herman Benjamin, o Brasil é o único país que trata do tema essencialmente em um único código, que se propõe a reunir todas as matérias que se relacionam à proteção jurídica do consumidor. E muitos de seus dispositivos ainda estão na vanguarda.
“Mas uma lei se filia ao seu tempo. E no que se refere à sociedade de consumo, que é profundamente mutável e veloz, há sempre a necessidade de buscar – com cautela – aperfeiçoamento e atualização da legislação de proteção ao consumidor”, afirmou o ministro.
O presidente da comissão também anotou que o CDC não deve tratar da regulação dos serviços financeiros em si, mas sim de questões como transparência e informação ou direito de arrependimento, na linha do que já é feito em outros países. Outros temas podem ser revistos, como comércio eletrônico, mas o foco é o crédito ao consumidor e o "superendividamento".
Segundo o ministro, em 20 anos o CDC não sofreu nenhuma alteração no sentido de reduzir direitos e garantias do consumidor. Por outro lado, influenciou o Código de Processo Civil (CPC), o Código Civil (CC) e a proposta de reforma do CPC em trâmite. “É superinteressante, porque normalmente a lei geral influencia a lei especial. O CDC foi uma lei tão revolucionária, que influenciou o próprio CC. Vários dispositivos que estão hoje no novo CC vieram diretamente do CDC, como o princípio da boa-fé ou a função social do contrato”, destacou o ministro Benjamin.
Marco internacional
Conforme o ministro Herman Benjamin, o trabalho será orientado na garantia de direitos básicos dos consumidores já reconhecidos em outros países no campo do crédito. “O consumidor contente – ou menos aborrecido – com sua instituição financeira é um bom negócio. E as instituições financeiras têm uma exposição internacional muito forte, por isso interessa a elas a existência de um marco regulatório o mais harmônico possível nos diversos mercados em que operam. Isso vale para os bancos de capital estrangeiro hoje no Brasil e vale para os bancos brasileiros, que estão ampliando sua presença internacional”, avaliou.
Entre os países que já tratam especificamente do tema do crédito ao consumo, estão vários que influenciaram na edição do CDC original. Além da diretiva europeia editada em 2008, França, Suécia, Alemanha, Dinamarca, Finlândia, Estados Unidos, Bélgica e Áustria possuem normas de proteção do consumidor contra o "superendividamento" e mercado de crédito.
“Temos que ter a cautela de evitar o transplante legislativo. Não é porque outros países legislaram que vamos simplesmente copiar. O CDC é um sucesso duradouro porque a comissão de juristas que o elaborou se recusou a simplesmente copiar o direito estrangeiro e se propôs a aproveitar o que havia de inovador, interessante e viável na realidade brasileira – mas também a ser criativa ao propor soluções que não constavam no direito de outros países”, registrou o presidente da comissão.
Audiências
Os outros membros da comissão são os doutores em Direito Ada Pellegrini Grinover, uma das principais autoras da Lei de Ação Civil Pública e copresidente da comissão responsável pelo anteprojeto do CDC original; Claudia Lima Marques, atual responsável pela redação do CDC-Modelo das Américas; Leonardo Bessa, promotor do Distrito Federal especialista em serviços financeiros; e Roberto Pfeiffer, diretor do Procon-SP e ex-conselheiro do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).
Eles irão elaborar uma proposta em cerca de seis meses. Para criá-la, a comissão irá ouvir setores específicos da sociedade, como as instituições financeiras, Defensoria Pública, Ministério Público, Procons e Poder Judiciário. Depois de um primeiro esboço, será ouvida a sociedade, por meio de audiências públicas nas principais cidades do país. O anteprojeto será apresentado ao Senado ao fim dos trabalhos.
“Acredito que o cidadão tem o direito de participar diretamente da elaboração de um projeto de lei dessa envergadura. Alguns podem dizer: ‘Mas isso é um projeto de lei técnico’. Não importa! Estamos preocupados em ouvir os problemas. Nossa função é encontrar a solução jurídica e legal para os problemas que vêm assolando tanto os consumidores quanto os fornecedores”, concluiu o ministro Herman Benjamin.
O ministro participou da comissão que elaborou o CDC original, em 1989, quando atuava como promotor de justiça. Segundo o ministro, à época da edição do CDC, a inflação e o sistema bancário impediam a discussão do tema. “Seria utópico imaginar um pacto que fosse satisfatório para todas as partes com uma inflação de 50% ao mês”, explicou.
Hoje, o cenário é outro. “Passados 20 anos, o Brasil precisa atualizar seu código, porque o controle da inflação e a ampliação do mercado consumidor de crédito, aquilo que em 1990 interessava a um número pequeno de consumidores abonados, se referem, hoje, diretamente a dezenas de milhões de consumidores que foram incorporados ao mercado de crédito”, avaliou.
“Não há sociedade de consumo sem crédito e o crédito é absolutamente necessário ao desenvolvimento do país. Mas quem toma crédito precisa pagar e estar em condições de pagar”, expôs o ministro. Ele afirma que não interessa nem mesmo aos bancos a existência de consumidores incapazes de pagamento das dívidas.
Por isso, é possível um meio termo entre a liberdade de crédito e regras que estimulem o consumo consciente e responsável de crédito. “Essas são as bases do diálogo que nós pretendemos estabelecer. Nós queremos construir um grande pacto de modernização do CDC no campo do crédito ao consumo”, afirmou o ministro Benjamin.
Judicialização do consumo
“Não é possível que cada conflito de consumo seja levado aos tribunais brasileiros”, criticou o ministro. “Isso inviabiliza a pacificação das relações de consumo, o que é absolutamente fundamental para que as nossas instituições financeiras e o mercado de consumo brasileiro deem mais um salto qualitativo”, defendeu.
De acordo com Herman Benjamin, a reforma não pretende redefinir os conceitos de consumidor ou fornecedor, por exemplo. Mas deve incorporar as matérias já pacificadas pela jurisprudência brasileira. “A riqueza e longevidade do CDC se deve ao fato de ser uma lei geral. Não é uma lei para resolver as minúcias das centenas de contratos que existem no mercado. Isso fica a cargo do Judiciário e das entidades de defesa do consumidor”, explicou o ministro.
Uma das preocupações do Ministério da Justiça que a comissão pretende incorporar é o fortalecimento dos Procons, como meio de reduzir a litigiosidade judicial. No STJ, estima-se que de 20% a 30% dos recursos da Segunda Seção – responsável pelo julgamento de matérias de direito privado – tratem de relações de consumo.
“A redução da litigiosidade se faz com o fortalecimento criativo dos mecanismos autorregulatórios dos próprios setores envolvidos – como conciliação e mediação – e ampliação da capacidade dos Procons de intervir nos litígios”, argumentou.
Vanguarda
Para o ministro, o CDC ainda é vanguardista. Primeiro, por ser código. Conforme Herman Benjamin, o Brasil é o único país que trata do tema essencialmente em um único código, que se propõe a reunir todas as matérias que se relacionam à proteção jurídica do consumidor. E muitos de seus dispositivos ainda estão na vanguarda.
“Mas uma lei se filia ao seu tempo. E no que se refere à sociedade de consumo, que é profundamente mutável e veloz, há sempre a necessidade de buscar – com cautela – aperfeiçoamento e atualização da legislação de proteção ao consumidor”, afirmou o ministro.
O presidente da comissão também anotou que o CDC não deve tratar da regulação dos serviços financeiros em si, mas sim de questões como transparência e informação ou direito de arrependimento, na linha do que já é feito em outros países. Outros temas podem ser revistos, como comércio eletrônico, mas o foco é o crédito ao consumidor e o "superendividamento".
Segundo o ministro, em 20 anos o CDC não sofreu nenhuma alteração no sentido de reduzir direitos e garantias do consumidor. Por outro lado, influenciou o Código de Processo Civil (CPC), o Código Civil (CC) e a proposta de reforma do CPC em trâmite. “É superinteressante, porque normalmente a lei geral influencia a lei especial. O CDC foi uma lei tão revolucionária, que influenciou o próprio CC. Vários dispositivos que estão hoje no novo CC vieram diretamente do CDC, como o princípio da boa-fé ou a função social do contrato”, destacou o ministro Benjamin.
Marco internacional
Conforme o ministro Herman Benjamin, o trabalho será orientado na garantia de direitos básicos dos consumidores já reconhecidos em outros países no campo do crédito. “O consumidor contente – ou menos aborrecido – com sua instituição financeira é um bom negócio. E as instituições financeiras têm uma exposição internacional muito forte, por isso interessa a elas a existência de um marco regulatório o mais harmônico possível nos diversos mercados em que operam. Isso vale para os bancos de capital estrangeiro hoje no Brasil e vale para os bancos brasileiros, que estão ampliando sua presença internacional”, avaliou.
Entre os países que já tratam especificamente do tema do crédito ao consumo, estão vários que influenciaram na edição do CDC original. Além da diretiva europeia editada em 2008, França, Suécia, Alemanha, Dinamarca, Finlândia, Estados Unidos, Bélgica e Áustria possuem normas de proteção do consumidor contra o "superendividamento" e mercado de crédito.
“Temos que ter a cautela de evitar o transplante legislativo. Não é porque outros países legislaram que vamos simplesmente copiar. O CDC é um sucesso duradouro porque a comissão de juristas que o elaborou se recusou a simplesmente copiar o direito estrangeiro e se propôs a aproveitar o que havia de inovador, interessante e viável na realidade brasileira – mas também a ser criativa ao propor soluções que não constavam no direito de outros países”, registrou o presidente da comissão.
Audiências
Os outros membros da comissão são os doutores em Direito Ada Pellegrini Grinover, uma das principais autoras da Lei de Ação Civil Pública e copresidente da comissão responsável pelo anteprojeto do CDC original; Claudia Lima Marques, atual responsável pela redação do CDC-Modelo das Américas; Leonardo Bessa, promotor do Distrito Federal especialista em serviços financeiros; e Roberto Pfeiffer, diretor do Procon-SP e ex-conselheiro do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).
Eles irão elaborar uma proposta em cerca de seis meses. Para criá-la, a comissão irá ouvir setores específicos da sociedade, como as instituições financeiras, Defensoria Pública, Ministério Público, Procons e Poder Judiciário. Depois de um primeiro esboço, será ouvida a sociedade, por meio de audiências públicas nas principais cidades do país. O anteprojeto será apresentado ao Senado ao fim dos trabalhos.
“Acredito que o cidadão tem o direito de participar diretamente da elaboração de um projeto de lei dessa envergadura. Alguns podem dizer: ‘Mas isso é um projeto de lei técnico’. Não importa! Estamos preocupados em ouvir os problemas. Nossa função é encontrar a solução jurídica e legal para os problemas que vêm assolando tanto os consumidores quanto os fornecedores”, concluiu o ministro Herman Benjamin.
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