Era para ter sido somente mais uma ida rotineira à Justiça Federal, carga de processo aqui, pedido para que processos andem acolá e de repente me veio um "estalo" vou visitar minha querida Cristina Garcez, que trabalha lá. Juro que fui sem esperança, já que ou ela sempre está em alguma atividade importantíssima (como servindo do TRE ou no UNIPÊ, ou está atarefadíssima nas audiências), mas tentei e não é que ela (que está de férias) estava lá e tivemos uma boa meia hora de grande felicidade, entre novidades, saudades, etc....
Para que vocês compreendam porque estou tão feliz em ter encontrado com ela e porque eu a declaro a quem quiser ouvir minha "ídola" , modelo de perfeição profissional e um ser humano de primeira categoria, decidi transcrever, entrevista que eu e o professor Romulo Palitot, enquando responsáveis pela revista eletrônica "Escrevendo Direito" da FACET, fizemos com ela. Vale como homenagem.
Entrevista a Dra. Cristina Garcez
Cristina Maria Costa Garcez é mesmo uma baiana “arretada”, isso na acepção mais soteropolitana1 possível. Arretada e apaixonada. Afinal, trata-se de um serhumano exemplar, capaz de exercer com qualidade e ética múltiplas funções,todas elas igualmente complexas, exigindo da pessoa um altíssimo nível de dedicação, renúncia e comprometimento, algo que ela consegue com primor, sem nunca perder a elegância e simplicidade, que são traços que se destacam em sua personalidade.
Dra. Cristina Garcez, como é mais conhecida, é uma das Juízas Federais de maior destaque em nossa região, exercendo seu labor perante a 3ª Vara da Seção Judiciária em João Pessoa, além de ocupar cadeira como magistradaperante o TRE-PB, onde participou de julgamentos históricos na recente vida política paraibana, e como se não bastasse, ainda é professora em graduações e pós-graduações jurídicas.
E faz tudo isso, sem nunca deixar de lado seu papel de esposa, mãe e avó dedicada, vivendo num lar onde ela é a única representante do sexo feminino haja vista ter tido apenas filhos homens, que como ela mesma diz, fazem junto com o marido e maior incentivador, de sua vida uma “delícia”.
Foi buscando conhecer um pouco mais essa personagem, que no último 08 de outubro 2009, Dra. Cristina Garcez recebeu os professores Rômulo Palitot e Kátia Farias, em seu gabinete na 3ª Vara da Justiça Federal, onde foi realizada a entrevista a seguir transcrita.
1- A senhora sofreu alguma influência familiar na escolha de sua carreira? E o fato de ser uma magistrada de competência reconhecida tem influenciado nas escolhas profissionais de seus familiares?
Não, eu não tive nenhuma influência na escolha de minha profissão, mas, como fato de eu ter me tornado juíza, de ter abraçado com tanta paixão essa atividade, eu acabei frutificando, pois hoje já tenho dois filhos, sobrinho, filhas de duas primas, buscando a mesma carreira.
Mas eu mesma não tive nenhum paradigma, já que na minha família as pessoas se dedicavam ao comércio, eram médicos, nenhuma na área de Direito. Mas, o fluir da carreira, o grande aliado foi meu marido, pois ele foi incansável, eu já tinha começado dois cursos, não tinha dado certo, tinha três
filhos e eu decidi recomeçar, e ele sempre sempre buscando me ajudar.
2- Então, se Direito não foi sua primeira opção, como foi sua trajetória profissional?
Como todo brasileiro, quando encerra o segundo grau e não sabe exatamente o que quer, eu estava na busca do primeiro emprego. Meu primeiro curso foi Sociologia, que eu cursei quase dois anos, mas percebi que não tinha perfil de trabalho de campo, que eu tinha um perfil mais adequado para trabalho de gabinete. Então, sob a influência de um tio de meu marido, que é auditor, e conseguiu me primeiro emprego, eu fui para a contabilidade.
Meu primeiro emprego foi de caixa de uma empresa de exportação, e eu não tinha noção nenhuma de contabilidade, tive que aprender tudo, mas eu gostei daquela sensação de segurança, daquela certeza própria da contabilidade.
Aí o tio de meu marido, vendo que eu levava jeito, sugeriu que eu fizesse contabilidade, sugestão que eu acatei, tendo cursado dois anos e meio daquele curso.
O mundo da contabilidade me dava muito conforto, ainda mais naquela fase devida que eu estava, com três filhos pequenos, indefinição de carreira... Eu trabalhei com contabilidade quase três anos, inclusive crescendo, me tornei Caixa Geral daquela empresa, que era um grupo, com duas lojas, um restaurante, uma casa de decoração, inclusive dando meus “pitacos’ na área de pessoal.
Nesse tempo eu já era “concurseira profissional”, tinha feito vários concursos, CEF, INSS e a Justiça Federal foi a primeira a me chamar. Aí começou minha carreira no Judiciário.
3- E como foi esse início de carreira no serviço público?
A Justiça Federal há vinte e cinco anos era uma estrutura diminuta, eu entrei em 1983, fiz bodas da prata aqui... A atividade fim era enorme, mas a estrutura da área meio era diminuta, só tinha um contador, Dr. Montanha, e eu vi que contabilidade ali não tinha tanto futuro...
Naquela época a renda na Justiça Federal era muito baixa, quando eu tomei posse diminuiu em quase 50% a minha contribuição no lar, tanto que eu não ia tomar posse, tendo inclusive recusado o emprego e depois tendo ido conversar com meu pai, que foi o maior responsável por eu ter assumido o emprego, mudei de idéia.
Lembro que meu pai falou: “Minha filha! Você já tem três filhos, é mulher, nessa instituição você tem oportunidade de crescer, lá você trabalha só um turno...” e ele foi ponderando, aí eu vi que financeiramente poderia valer a pena a médio prazo, voltei e disse que tinha pensado melhor e ia assumir o emprego.
E foi o que aconteceu... e eu cresci bastante aqui, mas tive que fazer muito “bico” naquela época porque a renda na Justiça Federal era realmente muito baixa. Nesse período eu também comecei o curso de Direito.
Mas dali para cá, a instituição cresceu muito...ela exige muito, mas também retribui aos seus servidores e jurisdicionados. Fui seguindo a carreira dentro da instituição, fiz concursos internos, para auxiliar, mas com a CF-88, já não havia mais a possibilidade de concurso interno, e eu fiz outro concurso e evolui para Técnico Judiciário, fui Chefe de Seção, até que o juiz que eu trabalhava foi promovido para o TRF e ele me levou.
Esse trabalho foi abrindo meu universo, enfim, foi a instituição que me conquistou. Essa fase foi um verdadeiro preparatório para o concurso de magistrado que chegou tempos depois.
3- Como a senhora encara a função do juiz? E o tão discutido acesso ao Judiciário? Ele realmente existe na Justiça Federal?
Ser juiz não é fácil, algumas vezes quando eu estou lendo a Bíblia, isso fica evidente, pois é um igual julgando um igual. Mas como ao Poder Judiciário não cabe o julgamento moral, mas jurídico, a tarefa se torna mais fácil, mas ainda assim é muito difícil.
E o fato de ter sido serventuário me ajuda compreender melhor a estrutura, até para colaborar, mas uma coisa é certa: o funcionário é a alma da instituição, o juiz é o cérebro.
Quanto à acessibilidade, entendo, que a Justiça Federal é acessível, vamos trabalhar em termos concretos, as custas, por exemplo, a JF é uma justiça democrática já na entrada, a média é de 4, 5 reais que você paga de custasem um processo...o máximo é mil e pouco, e você não precisa pagar tudo naentrada, paga só 50% .
Com a implantação dos Juizados, em 2001, aí foi que realmente que o acesso se ampliou, uma vez que não precisa do advogado em nenhuma fase da primeira parte do processo, já que tem funcionário treinado para elaborar as
3 petições, tem um escritório modelo. Esse ano foram quase 3 mil demandas interpostas pelo escritório modelo.
Outro ponto importante é o fato de a Justiça Federal ter compreendido a importância de se interiorizar e hoje nós já temos uma Justiça Federal nas principais cidades dos Estados. No caso da Paraíba, em Campina Grande e em Souza.
4- E o magistério? Como ele aconteceu na sua vida?
Eu não acredito em acidentes. Eu estar onde estou não foi um acidente em minha vida... Eu acho que todas as opções que você vai tomando, quando elas são coerentes, acabam construindo seu caminho, mesmo que você não tenha aquela visão de longo prazo.
Eu sempre gostei de estudar e de socializar conhecimento. Eu gostava de brincar de escola com minhas colegas, minhas vizinhas, fazia festas, provas,surpresas, e quando eu fui mãe, a coisa ficou mais forte em mim, porque eu estudava junto com meus filhos. Eu só não gostava de todo ano ter que repetir um ano..(risos), isso porque eu tenho três filhos em seqüência, um por ano,então todo ano eu estava de recuperação, já que tinha que estudar tudo de novo com o próximo filho...(risos)
5- E como a senhora encara a atividade do magistério em sua vida?
O conhecimento liberta e quando mais eu aprendo mais eu me sinto livre. A sensação da sala de aula é maravilhosa! O professor consciente não vai para sala de aula sem uma ação de respeito com o aluno, e esse respeito consiste em estudar, tem que conhecer o que você se propõe ensinar, para que o processo seja dialético.
E quantas coisas você não descobre em uma aula, a partir dos estudos, dos questionamentos dos alunos... Ai você vai estudando e isso se torna uma bola de neve, que quando você vê...já está em outro patamar. Tanto que hoje, em termos de tempo, algo que antes eu demorava 5 anos para aprender, em 6 meses eu amadureci o estudo.
6- E a timidez? Como lida com ela? Já que muitas vezes declarou-se tímida para falar em público...
Eu sou tímida, não me sinto bem em ambientes abertos...Vocês não sabem como eu me sentia mal para dar aula, eu tinha dor de barriga, eu gelava, eu queria falar e a voz não saia...mas eu fui melhorando e hoje ..(novos risos) têm que me mandar “calar a boca”...
7- Como a senhora se organiza para fazer tão bem tão tantas coisas?
Eu me esforço para trabalhar bem, O que eu faço? Eu tenho vários papéis e naquela hora eu me entrego por inteiro. A hora da Justiça Federal é da Justiça Federal. Ás vezes eu sou até um pouco rigorosa, como quando ligam para mim e eu pergunto: “É urgente? Urgente para mim é perigo do perecimento do direito hoje, se for amanhã, amanhã eu estarei aí e a gente se ver... ”
A hora que eu estou em casa, eu sou de meu marido e de meus filhos, a menos que seja plantão e aí eles é que às vezes participam do lado profissional de minha vida, como aconteceu nas últimas eleições, quando o meu marido foi viver comigo a rotina do meu trabalho, já que eu não dirijo.
Além disso antes de dormir eu vou estudar, eu vou ler. E eu já disse isso a meus alunos. Se eu tirar uma hora por dia, isso vai te fortalecer. O primeiro dia de estudo é doloroso, você tem tanta coisa na cabeça; um turbilhão, praticamente o estudo não tem proveito, mas se programar no segundo dia
você para estudar de novo, persistindo, aí você nem percebe que se programou para estudar meia hora e já está estudando 2, 3 horas e nem nota...
Então o que eu digo para eles que desculpa a gente sempre arruma para tudo, então se você quer algo para sua vida, não invente desculpas...vá lá e faça!
Porque aí vai conseguir o que quer, se ficar nesses mas, mas, mas, então vai estar se enganando, não vai para canto nenhum, não vai fazer a diferença, as coisas não acontecem...
As coisas que eu consegui na minha vida, foram com muita luta, muito sacrifício, só acredito nas coisas quando elas são conquistadas, elas é que são importantes, fruto de entrega, de realização de fazer as coisas com fé.
7- Qual o conselho que a deixa para os alunos que sonham com a magistratura?
Magistrado é um servidor público, o primeiro conselho que eu dou é que tenham consciência disso. Eu estou fazendo o meu trabalho com fé, procurando acertar, com responsabilidade e com a visão de que se eu quero que as instituições que nós temos, continuem com a forca que têm, eu tenho que garantir que essa legitimidade aconteça, e essa legitimidade virá como? A partir de uma conduta correta de minha parte, inclusive consciente do peso que eu carrego dentro dessa profissão. Vai exigir sacrifício, sim, muito.
Eu sou uma pessoa que não tenho vida social, a minha vida social é muito restrita, basicamente restringe-se a um ciclo composto por minha família, alguns colegas da casa... Mas isso é porque eu quero me isolar? Não, o juiz não pode viver isolado, ele deve conhecer a realidade que ele vive até para
poder julgar de acordo com os anseios sociais.
Mas na hora que você tem uma vida “social”, acaba criando vínculos, e perde a sua imparcialidade, e eu gosto de me sentir independente. Eu gosto de pegar um processo, e não ter nenhum prurido de julgar... Por isso eu me coloco àmargem, eu não tenho contas a prestar a ninguém, apenas a minha consciência.
8- Por fim, saindo um pouco da seara profissional para a pessoal...Como é ser a única mulher em um lar composto apenas de homens?
Viver num lar de homens é uma delicia! Eles me tratam como uma inimputável!
Se alguém fizer uma radiografia de mim, pelo que meus filhos e marido fazem comigo...eu não teria credibilidade nem para atravessar a rua. Realmente, é uma delícia! (derrete-se em risos, se despedindo, pois já está na hora de partir para um novo expediente...)
E assim eu marco esse encontro maravilhoso com que Deus me brindou hoje pela manhã.
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Katia Farias